Pão de La Raya: o sabor está no tempo


Lisboa (EuroEFE) – “O sabor está sempre no tempo”, diz Elisabete Ferreira, terceira geração de uma padaria artesanal em Bragança (Portugal), que participa no laboratório luso-espanhol Transcolab, financiado pela UE para unir a ciência e o sector empresarial no que se refere a cereais, farinhas e fabrico de pão.
O Centro de Investigação Montanha do Instituto Politécnico de Bragança (IPB), a Universidade de Valladolid (UVA) e a Escola Politécnica de Zamora proporcionam investigação e conhecimento a várias empresas na fronteira luso-espanhola de Bragança e Zamora, a fim de obter valor acrescentado do sector cerealífero.
Este Laboratório Colaborativo Transfronteiriço envolveu um investimento de 1.309.353 euros, dos quais 965.493 euros foram obtidos através de fundos europeus do Programa de Cooperação Transfronteiriça Espanha-Portugal Interreg (POCTEP).
Os empresários reconhecem que, embora o projeto só termine em abril de 2022, já estão a colher os frutos da colaboração da investigação com as empresas.
PÃO DE SEMENTES PARA O MERCADONA
Este é o caso de um pão de sementes especial que Elisabete Ferreira criou para o Mercadona na sua padaria, Pão de Gimonde.
“Quando o Mercadona se estabeleceu em Portugal (2019), pediram-nos para desenvolver alguns produtos e o Transcolab ajudou-nos em todo este processo de criar um pão de sementes, já que são precisos muitos testes”, diz ela à Efe.
Trata-se de um pão feito com cereais (linho, aveia, linhaça ou girassol), baseado na fermentação lenta e na massa mãe.
E porquê massa mãe? “Porque os cereais contêm um anti nutriente chamado ácido fítico. Para absorver estes nutrientes temos de trabalhar com massa mãe, uma vez que esta tem bactérias que degradam esse ácido para que tenhamos uma boa disponibilidade de nutrientes e, além disso, temos muito mais aroma, porque se trata de um processo lento e curto”.
Tudo é artesanal, já que “as sementes são embebidas durante 24 horas, no dia seguinte fazemos a massa e no terceiro dia fazemos o pão”, explica Ferreira.
Graças aos esforços dos investigadores, a Pão de Gimonde criou um pão que “não é preciso comer muito para se ficar saciado” e que deve ser “comido sem mais nada, porque se o acompanharmos com outros alimentos o mascaramos”.
Os cientistas do IPB encarregaram-se de realizar os estudos nutricionais deste pão de sementes e de determinar a sua duração depois de ser confecionado.
Passado algum tempo, “conseguimos vender uma média de 600 pães por semana nas lojas portuguesas do Mercadona”, afirma esta empresária.
FARINHAS DE LEGUMINOSAS, CASTANHAS OU FIGOS
Através do Transcolab, a empresa portuguesa de castanha Sortegel e a Pão de Gimonde fundiram os seus interesses comerciais com o apoio dos investigadores. O objetivo: criar um pão de castanhas único que possa ser consumido nos meses de Inverno.
“É feito de uma forma completamente diferente”, explica Ferreira, pois a castanha tem de ser cozida e aproveitada a água da cozedura para aromatizar o pão, tudo feito manualmente, com massa mãe e leveduras naturais.
E para que o pão tenha aroma e sabor, o processo tem de ser lento, insiste ela.
Como as castanhas não contêm glúten, a farinha resultante é misturada com farinha de trigo, obtendo-se um “pão doce e macio”, com valores saudáveis devido ao seu baixo teor de glúten. No Inverno passado conseguiram comercializar 30.000 pães de farinha de castanhas.
Com a empresa de farinha Molendum – que também faz parte do Transcolab – Ferreira criou uma série de pães feitos com diferentes farinhas de leguminosas.
A Molendum, sediada na província de Zamora, é uma empresa especializada em ingredientes e moagens especiais, pelo que foi responsável pelo fabrico de farinha a partir de grão de bico, de feijão e de lentilhas.
“Fizemo-lo, claro, com leguminosas da zona, uma vez que Zamora é uma terra produtora destas leguminosas.
“Depois de termos as farinhas, escaldámo-las para remover a toxicidade e fomos provando até obter a receita”, explica Ferreira.
Da mesma forma, nesta padaria e através do Transcolab, foi criado um pão de figos com nozes, passas e mel local. É um pão de farinha de centeio “que é vendido a numerosos hotéis, porque os clientes gostam muito dele”.
FAVORECER A ECONOMIA LOCAL E O AMBIENTE
Outro dos objetivos do Transcolab é promover a economia da zona fronteiriça, e é por isso que “os ingredientes que usamos são locais”, diz Ferreira.
As castanhas são provenientes da região portuguesa de Trás-os-Montes e a província de Zamora é uma das potências ibéricas no sector dos cereais e leguminosas, como as lentilhas e o grão-de-bico.
“Se os fornecedores estiverem próximos, melhoramos a economia e ajudamos a preservar o ambiente”, conclui.
Neste sentido, o Transcolab também concentra a sua investigação na criação de produtos ecológicos.
Duas outras empresas de Zamora do Laboratório Transfronteiriço, Coperblanc e Molinos del Duero, forneceram a Ferreira a farinha e as sementes necessárias para criar um pão de sementes biológico, livre de pesticidas.
Os cientistas controlam todo o processo, desde a sementeira até à moagem e produção final, a fim de garantir que a produção seja 100% biológica.
A Coperblanc colabora mesmo com farinha feita a partir de trigo germinado, o que permite a produção de um pão de hambúrguer mais rústico e natural, se comparado com o industrial que é normalmente comercializado.
PSÍLIO E ACEROLA, INGREDIENTES TECNOLÓGICOS
Juan Carbajo, diretor-geral da Molinos del Duero em Zamora, diz à Efe que o projeto Transcolab está a trabalhar em quatro linhas de investigação e reconhece que com a aproximação às universidades surgiram novas ideias e produtos para o cliente final.
O objetivo é criar “projetos de colaboração que reforcem o tema transfronteiriço e as empresas da região”.
Com a Universidade de Valladolid, estão a trabalhar num projeto sobre ingredientes naturais como o psílio ou a acerola, que utilizarão como “ingredientes tecnológicos” que não são aditivos e que permitem que alguns produtos de panificação tenham uma melhor aparência final.
O pão tem de ser “bom, bonito e saudável”, reconhece Carbajo, pelo que descobriram através dos cientistas universitários que o psílio faz com que as massas se liguem melhor e absorvam mais água.
No caso da acerola, uma fruta pequena parecida com a cereja, a sua importância reside no seu conteúdo natural de vitamina C.
Outra linha de investigação está a ser desenvolvida com uma padaria de Madrid, tendo por base estudos sobre digestibilidade e índices glicémicos e a comparação entre processos mais rápidos e mais lentos no fabrico de pão.
Carbajo não tem dúvidas de que este laboratório transfronteiriço não deve terminar quando o projeto estiver concluído no próximo mês de abril, e que a troca de conhecimentos deve continuar para “progredir e evoluir”.
Por exemplo, é importante promover os cereais antigos que sobrevivem em La Raya de Zamora, como o trigo “barrilla” ou diferentes variedades de centeio, a fim de lhes dar um valor acrescentado e permitir que sejam cultivados em terras pobres que estão subutilizadas.
Lilliam Barros, coordenadora do Transcolab através do IPB, recorda que foram realizadas numerosas reuniões, apesar da pandemia do covid, com a participação de investigadores de numerosos países.
Foi especialmente participada a conferência sobre extrusão da farinha, um tratamento físico capaz de modificar as propriedades dos componentes da farinha através da aplicação de um esforço mecânico e temperaturas elevadas, a fim de aumentar a sua funcionalidade.
“Mais de uma centena de investigadores participaram em cada jornada, alguns dos Estados Unidos e da Dinamarca”, comenta Barros.
