Farmácias de bairro, o melhor vizinho


Ayamonte / Faro (Espanha / Portugal), 13 de abril (EFE). Ana e María não perdem o sorriso sob a máscara. Ambas trabalham numa farmácia em Ayamonte (sul de Espanha) e tratam com desvelo da vizinhança. Vigiam-lhes a tensão arterial, o peso, os níveis de oxigénio, pedem medicamentos ao hospital…. Tornam mais fácil a vida dos doentes.
Ana Beas e María Rivero trabalham na farmácia La Villa, num bairro popular de Ayamonte, a poucos quilómetros da fronteira com Portugal. Têm uma larga experiência como “boticárias” atrás do balcão, mas há alguns meses também cuidam do bem-estar dos seus vizinhos.
Ambas colaboram com o projeto NUMA, uma iniciativa com um orçamento de 1,5 milhões de euros cofinanciada pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), no âmbito do Programa de Cooperação Transfronteiriça Interreg Espanha-Portugal (POCTEP).
O seu objetivo: melhorar o atendimento a pacientes idosos vulneráveis, aproveitando o alcance da rede de farmácias.
A farmácia atua como um interlocutor entre o paciente e os serviços sociais e de saúde por meio de uma plataforma de “telemedicina” que utiliza tecnologias de informação e comunicação.
Participam no projeto a Andaluzia – através do Conselho Regional de Saúde, a Universidade de Sevilha e o Colégio de Farmacêuticos de Sevilha – e o Algarve (sul de Portugal).
O objetivo é triplo: melhorar o seguimento das condições crónicas do utilizador, com o controlo dos seus sinais vitais; avaliar a sua fragilidade, para evitar riscos de quedas e fraturas; e facilitar a sua rotina com os medicamentos porque, explica Ana Beas, “as primeiras semanas de um novo tratamento são fundamentais”.
O modelo procura aproveitar a proximidade entre a farmácia e o utilizador para prestar-lhe assistência e melhorar a sua qualidade de vida. Além disso, numa fase avançada, é proposto um programa terapêutico que inclui recomendações para estimulação cognitiva, funcional e social, promovendo a atividade física e a socialização.
Em nenhum caso a farmácia substitui o médico ou o centro de saúde, mas o farmacêutico pode medir os sinais vitais do paciente e introduzi-los numa plataforma online em tempo real, à qual tem acesso o seu médico de cuidados primários. Ou fornecer medicamentos, mesmo ao domicílio, indicados pelo especialista e que antes só eram dispensados em hospitais.
O NUMA tem espaço próprio na farmácia La Villa. Os instrumentos utilizados pelo programa – termómetro, espirómetro, monitor de pressão arterial, balança … – são armazenados numa vitrina que envia diretamente os dados obtidos para uma plataforma a que o médico tem acesso.
Ana Beas e María Rivero podem acompanhar os tratamentos e dar o alarme se encontrarem sintomas suspeitos em algum dos pacientes do programa.
A TENSÃO DE JOSÉ
José González é um dos utilizadores do NUMA. Tem 78 anos, recebeu um transplante de rim há 20 anos e precisa de ser acompanhado de perto.
Enquadra-se no perfil médio dos pacientes da primeira fase do programa, que “está especialmente indicado para pessoas com mais de 65 anos, polimedicadas e com doenças crónicas”, explica Ana Beas. Ainda que seja possível ampliar o espectro.
Na farmácia do bairro, Ana verifica periodicamente a tensão arterial, mede o nível de açúcar no sangue, o peso e faz uma revisão geral para se certificar de que tudo está em ordem.
E José economiza tempo e energia. Antes, recorda, tinha de ir às consultas de ambulatório. De carro, confessa, porque fica a 3 quilómetros da sua casa. “Agora estou a cinco minutos, a 150 metros de distância.”
José recebe atendimento primário no ambulatório de Ayamonte, mas também faz exames em hospitais de Sevilha e Huelva. “Antes eu tinha de marcar consulta, ia ao posto médico. Agora venho à farmácia e se não é hoje, é amanhã.”
“Venho aqui e pergunto à minha amiga Ana quando é que devo vir”, graceja José. “Isto devia continuar e ampliar-se.” “Cuidam bem de mim aqui”, continua José, que é atendido na farmácia duas vezes por semana.
A VIAGEM DE ADELINA
Adelina Lorenzo tem outro perfil. Aos 59 anos, sofre de uma doença crónica e degenerativa, a artrite reumatoide, que requer uma medicação que normalmente só é dispensada nas farmácias hospitalares.
O programa mudou-lhe a vida. Para obter o seu medicamento, passou um ano deslocar-se a um hospital em Huelva, a 50 quilómetros da sua casa.
Foram centenas de quilómetros percorridos e dezenas de horas investidas, lamenta Adelina. “E só para que eles me pudessem entregar um medicamento”.
A situação piorou com o início da pandemia, pois a sua doença torna Adelina especialmente vulnerável. Mas os seus temores foram dissipados quando foi convidada a entrar no programa há um ano e obter a medicação na farmácia do seu bairro.
“É muito melhor, muito mais fácil, não tenho de me deslocar, e ir ao hospital, como eles estão agora, quanto menos formos melhor”, afirma.
“Não é a mesma coisa vir aqui, à farmácia, que fica a cinco minutos a pé, do que ter que ir a Huelva buscar um medicamento.” Adelina sente-se aliviada e confiante. “É uma opção muito boa e muito avançada.”
María Rivero, que está envolvida na segunda fase do programa, cuida de Adelina. Ela acompanha de perto o tratamento e encarrega-se de solicitar o medicamento ao hospital quando necessário.
Também é responsável por acompanhar a reação dos pacientes a novos tratamentos, de renovar os pedidos aos médicos e até de dispensar medicamentos sem cartão aos utilizadores do projeto, quando justificado.
UM PROGRAMA QUE VEIO PARA FICAR
“Este programa veio para ficar”, diz María Rivero. “A qualidade de vida melhora, especialmente agora com a pandemia.”
María está centrada na segunda fase do projeto, mais focada na comunicação entre o paciente, o farmacêutico, o centro de cuidados primários e, se necessário, o hospital.
“O objetivo do projeto é estarmos ligados aos trabalhadores de saúde em todas as áreas, sejam públicas ou privadas – as farmácias”, continua. “Nós como profissionais do medicamento, o médico como profissional do diagnóstico e o paciente”.
O objetivo principal do projeto, sublinha María, é facilitar a comunicação entre os profissionais de saúde para melhorar a qualidade de vida dos doentes.
“É disso que se trata, que o paciente faça bom uso da medicação, que adira ao tratamento e que, se tiver algum problema, o possamos resolver e, inclusivamente, renovar o tratamento todos os meses”, diz.
A pandemia teve impacto no projeto, admitem Ana Beas e María Rivero.
“Estamos muito próximo do paciente e nas condições atuais, em que o paciente não tem podido ir a uma consulta presencial, faz-se aqui o mesmo que o enfermeiro teria feito”, diz Ana. “Os dados do utilizador são projetados em tempo real, tanto para o enfermeiro como para o médico de cuidados primários”.
O potencial do NUMA é impressionante, especialmente nas áreas rurais e nas zonas afetadas pelo envelhecimento da população.
O exemplo da Andaluzia pode ser replicado no vizinho português, o Algarve, que começou em dezembro passado com a fase prática, mas teve de suspender o programa devido à pandemia.
Ainda está atrasado, mas será implementado em breve, explica o especialista português António Pina.
Pina aposta no NUMA para a região do Algarve como um grande projeto de “telemonitorização” que poderá ajudar, entre outros, os doentes hipertensos.
“A hipertensão é um problema sério no país”, admite. “E no Algarve em particular”, devido ao envelhecimento da população e à sua alimentação rica em sal.
Além disso, alerta, “muitos hipertensos não sabem que o são”, e mesmo “quando sabem e são diagnosticados, o médico prescreve medicamentos, mas eles vão-se embora”.
Alguns chegam a medicar-se, mas não da maneira adequada. “A confusão é total e os estudos sobre hipertensos mostram que eles tomam a medicação de forma errada ou não a tomam”, alerta Pina.
Daí a importância de um projeto como o NUMA que, além do mais, alivia a carga sobre os hospitais e os centros de cuidados primários”.
As farmácias nunca substituirão os hospitais, mas, insiste ele, ” podem manter a vigilância e garantir a disciplina”. EFE
mar-cgg / mb
(Esta reportagem faz parte da série “Histórias Transfronteiriças da Coesão Europeia”, #HistoriasTransfronterizas, #CrossBorder, um projeto da Agência Efe financiado com o apoio da Comissão Europeia. A informação é da exclusiva responsabilidade do seu autor. A Comissão não é responsável pelo uso que possa ser feito dela)
